livro do mês de janeiro de 2017 “Óscar Romero”

Breve reflexão sobre o livro do mês de janeiro de 2017 “Óscar Romero” – O amor deve triunfar – de Kevin Clarke



Em termos gerais:

Gostei do livro, porque revela a transformação de um ser humano, que sendo sempre fiel ao seu amor a Deus e à Igreja, a partir do momento em que é assassinado o seu amigo Rutílio Grande, deixa de ser conivente com o poder instituído, com os proprietários, as elites militares e judiciais e passa a ser pastor no meio dos pobres, dos perseguidos e dos injustiçados.

Sempre entendi que a teologia da libertação era mais política do que teológica, pelo que percebi a atitude que o arcebispo, Óscar Romero, tinha contra os seus defensores. Continuo, mesmo depois de ler o livro, a não partilhar muitas das teorias defendidas por este movimento, mas quando as situações se agudizam como aconteceu em El Salvador, é compreensível que tenha sido um dos recursos a utilizar. O princípio geral, para mim, é válido: a defesa dos pobres e dos injustiçados, mas as formas de o fazer já são discutíveis à luz da fé católica. Mas deixo essa discussão para os especialistas.

Não conhecia o sofrimento do povo salvadorenho. É impressionante a forma como uma minoria consegue tornar-se dona de tudo e de todos, pela força, aterrorizando todo um povo, que é tratado como escravo  na sua própria terra.

Atendendo a tudo que escrevi anteriormente, dividi o livro em duas partes: uma antes do assassinato do padre  Rutílio Grande e a outra depois da sua morte. Até à morte do padre Rutílio, o arcebispo Óscar Romero vai pactuando, umas vezes mais passivamente, outras ativamente com o poder político, com os grandes proprietários, com os militares, isto é, com as elites de El Salvador. É discutível, o que vou dizer, mas até parece que, se assim não fosse, ele não teria chegado a arcebispo. Mas o mais marcante desta parte da vida do arcebispo Óscar é o seu profundo amor a Deus e o seu apoio na oração. Nunca deixou de ser fiel ao que era essencial.

Na segunda parte D.Óscar sofreu uma imensa transformação. O seu coração deixou-se envolver pelo profundo sofrimento que os seu olhos testemunharam e passou para o lado dos pobres. Era impossível ficar indiferente perante tanta dor e injustiça. Assim, vemos renascer um lutador pela justiça, pela reposição da dignidade humana, pela defesa dos mais elementares direitos de qualquer pessoa, entre os quais o direito à vida e em condições de segurança. O que retive, como mais marcante nesta fase, é a sua incansável atenção e cuidado para com todos. Tinha sempre tempo (fosse qual fosse a hora do dia, ou da noite) para atender quem solicitava explicitamente o seu apoio, ou quando intuía que dele necessitava. Também nesta fase o amor a Deus e à Igreja, são evidentes, só que agora há a acrescentar ainda o amor aos mais pobres e aos injustiçados. O amor aos pobres, nesta fase, é mesmo o traço dominante.
Mais em pormenor:
Pág.94 - “Grande fora, durante vários anos, um espinho na carne dos agricultores locais. Em 1972, trouxera o conceito de comunidades de base para Aguilares. A experiência foi eletrizante para aqueles camponeses indígenas e mestiços. Descrevê-los como pobres teria sido pouco. Se tinham alguma terra, era o lote mais rochoso, ou mais elevado, ou em estado mais adiantado de erosão, em plena encosta da montanha. Grande e os seus colegas sacerdotes reabilitaram essas pessoas, através de gestos tão simples como pedir a sua opinião acerca das sua próprias vidas; trouxeram-lhes Bíblias, ensinaram-nas a ler e perguntaram-lhes se acreditavam de facto que era vontade divina, do seu amoroso Pai do Céu, que eles chafurdassem na lama da sua miséria e desesperança total. Seria assim que Deus queria que os seus filhos vivessem?
Quando aqueles camponeses aceitaram o óbvio, que não era vontade de Deus que eles sofressem tanto, que eles tinham uma dignidade inata, como povo de Deus, começaram a compreender que lhes cabia, a eles, fazer alguma coisa para mudar a situação, para ajudar Deus a construir o seu Reino de paz e justiça sobre a terra. Formaram comités agrícolas e fizeram manifestações a favor da reforma agrária e de um melhor tratamento por parte dos senhores das colheitas.
Foi esta ameaça, foi esta «violência» que desencadeou a ira feroz da elite detentora de terras, através da Guarda Nacional, que era o seu instrumento. Era este o «comunismo», que os jesuítas e os sacerdotes estrangeiros do Terceiro Mundo disseminavam entre os bons camponeses de El Salvador.”


Pág.95 – “Naquela noite, enquanto pensava no povo de Aguilares, nos corpos inertes de Grande , de um velhote e de um rapaz camponês, crucificados com espingardas de elevada potência, Romero talvez tenha compreendido, de uma forma visceral, o novo ensinamento do Concílio Vaticano II e de Medellín com que, até então, se debatera: o que significav.a fazer uma opção preferencial pelos pobres e unir-se ao povo de Deus na sua dor e sofrimento, como Rutílio fizera, mas até à expressão última de identidade e rendição, oferecendo a sua vida terrena. «Naquela noite, a vontade de Deus – recordou Sobrino – deve ter parecido muito diferente ao arcebispo Romero, na presença dqueles três corpos e de centenas de camponeses que o fitavam, interrogando-se sobre o que ele iria fazer depois do sucedido».”

Pá.125 – “Romero começava a ver os pobres como os principais instrutores da fé contemporânea, tanto pelo testemunho das condições da sociedade refletidas na luta diária, como pela sabedoria das Escrituras que partilhavam pessoalmente. E, através dessa sabedoria, começava a entender a necessidade de a Igreja se empenhar na sua época, não se ausentar dos bastidores da história, refugiando-se em considerações espirituais piedosamente sussurradas. Obviamente, diria ele, a Igreja não tem outra alternativa senão dar a cara por aqueles que estão a ser oprimidos e que precisam de ser libertados dos seus opressores.  … E isso significava partilhar os riscos que corriam os indefesos”


Pág.129 – “É nesta encruzilhada, frequentemente referida pelo arcebispo, que a sua visão de libertação e a de alguns adeptos da emergente teologia da libertação talvez sigam caminhos diferentes. Romero não estava interessado na promoção de um choque de classes e de estratos sociais, na reordenação violenta da má distribuição de riquezas,  ou de crimes relacionados com a propriedade hereditária. Estava preocupado em salvar os corpos e as almas dos seus irmãos das comunidades mais pobres e mais vulneráveis, mas também das classes dirigentes, intocadas pela violência da pobreza e voluntariamente cegas, quanto à sua própria cumplicidade em relação a ela. As sua denúncias e súplicas não tinham por objetivo dividir e castigar, mas restaurar a fé – e a comunidade dos fiéis -, oferecendo esperança aos oprimidos e chamando e acolhendo os cristãos extraviados na comunidade do povo de Deus.”
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